Ademir Calegari: “blends” de plantas de cobertura e “memória do solo”

Brasília, 11 de setembro de 2025.

Contribuir para o avanço da agricultura regenerativa do país vem sendo a principal preocupação do engenheiro agrônomo Ademir Calegari, segundo ele, há 51 anos, quando começou a aprofundar seu contato com esse universo, em uma escola agrícola do município paulista de Cândido Mota, na fronteira com o Paraná. Durante a 80ª Semana Oficial da Engenharia e da Agronomia (Soea), de 6 a 9 de outubro, em Vitória-ES, Ademir receberá a Láurea ao Mérito do Sistema Confea/Crea.

“Só me formei dez anos depois, na Universidade Federal de Pelotas”, diz, indicando uma trilha acadêmica com que começaria a correr o mundo, primeiro no mestrado na Escócia, em 1995. Depois, no doutorado feito com bolsa sanduíche entre a Universidade Estadual de Londrina (UEL) e as universidades Kansas State University, Université de Paris e Institut National de la Recherche Agronomique (INRA), entre 2004 e 2005.

Correr o mundo, inclusive como consultor da FAO e de diversos outros organismos internacionais, passou a ser uma espécie de dever para o pesquisador que durante muito tempo esteve associado ao Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), atual Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR). 

Filho de pequeno produtor rural de origem italiana, o paranaense de Iretama foi pouco a pouco se dedicando ao desenvolvimento, em todo o mundo, de uma agricultura mais sustentável, calcada na redução do uso de insumos externos e do excesso de fertilizantes, em técnicas de agricultura regenerativa como o sistema plantio direto e seus “blends” de plantas de cobertura. “Tudo graças ao contato com o Iapar, a partir de 1977”, comenta.

O sistema de plantio direto, realizado pontualmente nos Estados Unidos desde os anos 1960, começou a ser desenvolvido no país graças aos esforços pioneiros do catarinense-germano Herbert Bartz (1937-2021) e de Rolf Derpsch, (chileno-alemão) que desenvolvia estudos de rotação de culturas no Iapar.

O pesquisador chama a atenção para os estudos similares desenvolvidos pela engenheira agrônoma paulista Mariangela Hungria e que lhe renderam, neste ano de 2025, “como reconhecimento”, o Nobel da Agricultura, o prêmio World Food Prize. “Um trabalho fantástico, direcionado para o produtor, de consolidação de 20 anos de pesquisas com a soja e outras culturas, utilizando bactérias fixadoras de nitrogênio e a coinoculação com a bactéria Azospirilum brasiliense. Sem recorrer a adubos nitrogenados, a planta recebe o nitrogênio e há ainda uma interferência hormonal, provocando uma maior capacidade de enraizamento”, descreve. 

Autor de 23 livros, como“Plantas para adubação verde de inverno” (1985, com Rolf Derpsch) e “Adubação do Milho” (1989, com Osmar Muzilli e Edson Oliveira); 39 capítulos internacionais e mais de 140 artigos científicos e ainda diversos eventos e consultorias nacionais e internacionais, Ademir Calegari desenvolve um trabalho metódico, superando seus conhecimentos a cada nova atividade.

 

A defesa de uma agricultura sustentável consagra a trajetória do engenheiro agrônomo Ademir Calegari, laureado do Mérito em 2025
A defesa de uma agricultura sustentável consagra a trajetória do engenheiro agrônomo Ademir Calegari, laureado do Mérito em 2025

 

Confea – Quando o senhor percebeu a vontade de seguir em sua profissão?

Eng. agr. Ademir Calegari – Estudei em colégio interno, sou de uma família simples de pequeno produtor. Vim para a cidade e tinha uma escola agrícola em Cândido Mota-SP. Lá, eu tive aulas teóricas e práticas, isso me mostrou que esse era o caminho. Tem 51 anos que sou engenheiro agrônomo. Depois, de uma experiência com a congregação franciscana em Piracicaba e Nova Veneza volto à agricultura em 1976, indo para a Cooperativa Agrícola de Cotia, fundada por colonos japoneses. Eles me deram o legado da disciplina, de fazer bem feito as coisas, de cuidado com o detalhe. No ano seguinte, cheguei ao Iapar, onde entrei em contato com o projeto desenvolvido pelo chileno-alemão Rolf Derpsch, a maior autoridade em planta de cobertura e adubos verdes de todo o mundo. Deus me conduz e me mostra essa revolução do plantio direto, de 1977 a 1984.

Confea – Quais foram as principais referências para isso (mestres, familiares, influências)?

Eng. agr. Ademir Calegari – Primeiro meu pai, Olímpio Calegari, e meu nono Giuseppe Calegari, uma agricultura familiar que muito me incentivou. O Iapar era uma escola muito grande, com vários mestres, como um de seus fundadores, Florindo Dalberto. Depois, o experimento do Rolf Derpsch, que analisei na dissertação de mestrado e há 12 anos aprofundei, criando o “blend”, um mix com no mínimo quatro famílias. Também devo ao Ray Archuleta e ao Gabe Brown, pais da agricultura regenerativa, e ao William Hargrove, que primeiro me recebeu. Um amigo que me ajudou muito foi o professor Danilo Rheinheimer dos Santos, meu coorientador e maior autoridade de fósforo e enxofre do mundo. Marcos Antonio Pavan, um dos papas da fertilidade química, doutor em solos do mundo inteiro, espelho de seriedade de buscar a ciência, não só a teórica, porque eu sou muito prático. O que importa é o que os produtores estão fazendo. Às vezes um detalhe para não agredir tanto a natureza, em harmonia com a Mãe Natureza, reequilibrando sempre. Ela fez suas seleções e devemos permitir que ela nos ajude.

Confea – Quais são os seus principais projetos/feitos na sua área?
Eng. agr. Ademir Calegari – Além do SPD e dos “blends”, ainda trabalho com conservação do solo, pastagens, forrageiras, manejo de cafeeiro, cana-de-açúcar, frutíferas em geral e outras culturas. Participei com Rolf Derpsch no Iapar de alguns procedimentos. O principal foi um projeto da Alemanha com outros colegas da área de solos nesse manejo de agricultura conservacionista. Na época, o doutor Rolf trouxe mais de 60 espécies da Alemanha para o Brasil e muitas dessas espécies foram validadas pelo Brasil, pela Embrapa, e muitos desses materiais vieram a ser utilizados até hoje. Então, essa continuidade dessa linha de trabalho nos levou a aprofundá-lo, buscando o maior detalhamento da combinação dessas diferentes espécies, seus “mixes”, essa mistura de plantas de serviços. Os resultados são fascinantes, em diferentes sistemas de produção. Temos trabalhado com o sistema de cultivo anual de rotação, com soja, milho, feijão, algodão, girassol, sorgo, trigo, cevada, no sistema de plantio direto. E também tipos perenes de café, cana-de-açúcar e também cultivos de olerícolas, utilizando essas ferramentas dessa agricultura regenerativa, que se fala hoje. Temos trabalhado isso em diferentes estados brasileiros e diferentes países.  Hoje, o Paraná é o estado com maior porcentagem de plantio direto, em 87% da sua área cultivada. O sistema busca manter o solo coberto, sem interferir na química, na física e na biologia, com o uso dessas plantas. Em algumas situações, mexe-se com o solo, mas o ideal é que não se revolva. Em culturas como soja e milho, quando começa a ajustar, vai diminuir os custos e aumentar a produção, preservando a natureza por meio da fixação de nitrogênio e do sequestro de carbono e diminuindo os insumos. A busca sempre foi pelo solo saudável, com o equilíbrio entre os atributos químicos, físicos e biológicos, e pelas plantas saudáveis para que os alimentos e as pessoas sejam também saudáveis. Nesse caminho, o diagnóstico de qualidade em cada sistema de produção é fundamental. Depende também dos intervalos entre cultivos, das janelas disponíveis, condições climáticas, irrigação ou sequeiro etc. Então, se busca uma combinação de plantas, de acordo com o que o solo esteja pedindo, buscando a memória deste solo, buscando uma produção com sustentabilidade. Essa é a grande contribuição nossa, onde você consegue produzir mais com menos insumos, muitas vezes de forma orgânica, diminuindo os custos de produção, aumentando a produtividade, permitindo que a Mãe Natureza nos ajude, utilizando esterco composto, ajustes com gesso, calcário, enfim... Diversos componentes, harmonicamente distribuídos, fazendo um espaço de agricultura regenerativa. Colocando plantas junto com milho, com girassol, intercalado ao cafeeiro e outras culturas perenes, com forrageiras, com pastagens, integração lavoura-pecuária. São inúmeros resultados de trabalhos científicos.


Confea – Entre estes, qual o senhor destaca? Fale um pouco sobre ele.
Eng. agr. Ademir Calegari – O “blend” foi o pulo do gato mundial, que se intensificou nos últimos 12 anos. Hoje, a melhor planta para uma determinada região é um mix com no mínimo quatro famílias. Essa tecnologia já foi adaptada nos Estados Unidos a plantas como trevo e tremoço. A utilização desse mix de plantas de cobertura corrige nutrientes como enxofre, potássio, boro e nitrato, que são lixiviados no perfil do solo, sem agredir ainda mais a natureza. O uso de ativos biológicos está em todo o mundo, até porque eles fazem parte da própria natureza, sendo mais fácil produzir fungicidas e inseticidas biológicos. Assim, o manejo regenerativo busca um retorno na busca da própria memória do solo. Tudo isso está ali no solo. O uso de espécies melhoradas é uma prática ancestral na agricultura. O fascinante é você observar a fertilidade íntegra do solo (aspectos biológicos, físicos e químicos) com um mínimo de aplicação de nutrientes externos, usando bioinsumos. O mundo inteiro usa isso em diferentes sistemas, quer seja em produção de grãos ou pastagens para reequilibrar o solo. Assim, vamos avançar para interagir com diferentes países.

Confea – Qual a importância deste reconhecimento pelo Sistema Confea/Crea?
Eng. agr. Ademir Calegari – Fui tomado de surpresa. Alguns colegas perguntaram se eu conhecia alguém (risos), embora o presidente do Crea-PR, o engenheiro agrônomo Clodomir Ascari, seja meu amigo. Fiquei lisonjeado, afinal o Sistema Confea/Crea rege a nossa profissão. Toda a família ficou muito contente, principalmente por ser um reconhecimento em vida. Temos certeza que demos a nossa contribuição para os pequenos, médios e grandes produtores, entre vários outros profissionais. Esse conceito de usar plantas, biologias, se adapta a qualquer sistema de produção. Então essa honraria foi um presente. É motivo de muita satisfação, muita alegria estar junto com outros profissionais de diferentes estados para buscar um país melhor, fazendo uma agricultura longeva, regenerativa e equilibrada, respeitando a Mãe Natureza. Sigo trabalhando forte como consultor privado sobre agricultura regenerativa/SPD com Qualidade, buscando sempre a diversificação ou biodiversidade nos diferentes sistemas produtivos! Regenerar sempre! Buscar o equilíbrio nos atributos do solo, plantas, organismos! Construir cada vez mais um solo vivo é igual a harmonia com a Mãe Natureza. Solos saudáveis... Plantas saudáveis... Alimentos saudáveis... Pessoas saudáveis...

Henrique Nunes
Equipe de Comunicação do Confea